Há alguns dias atrás parei na porta do super-mercado, esperando sua abertura, às sete horas da manhã. Uma senhora de idade avançada se aproximou, pedindo dinheiro para tomar um café. Revirei meus bolsos e carteira, não tinha nada - estava esperando o mercado abrir justamente para sacar dinheiro e comprar materiais de limpeza para a faxineira. Achei setenta centavos no bolso, pedi desculpas pois não tinha mais dinheiro do que aquilo e dei para ela. A senhora deu as costas para mim e jogou as moedas no chão. Eu fui lá e catei tudo, falando para um rapaz que presenciou a cena que a próxima pessoa que me pedisse dinheiro, ganharia mais.
Então hoje fui no mesmo super-mercado. Logo na entrada fui abordado por um rapaz com cerca de trinta anos de idade, que me pediu para comprar leite para ele. Meio atônito, confirmei o pedido. Ele só queria uma lata de leite em pó. Pedi que ele esperasse uns quinze minutos que voltaria com o leite. Fiz minhas compras, separei duas latas de leite em pó de boa qualidade, as quais me custaram onze reais cada. Após pagar no caixa, abri a carteira e vi que só tinha seis reais.
Voltei à entrada e achei o rapaz, sentado no chão tentando se proteger do calor na sombra da marquise. Entreguei as duas latas de leite em pó e os seis reais, pedindo desculpas por ser tudo o que eu tinha. Ele abriu um sorriso largo, agradecendo. Perguntou meu nome, respondi. Em seguida ele me disse seu nome. Apertamos as mãos. Na hora de me despedir, fiz um gesto que costumo fazer para pessoas com as quais me importo: bato duas vezes com o punho fechado no peito na altura do coração e depois estendo para a pessoa. Para mim isto é um sinal de respeito e uma lembrança de que temos que permanecer fortes e firmes, custe o que custar.
Para minha surpresa, o rapaz fez o mesmo gesto, simultaneamente. Ele não estava me imitando, parecia ser algo natural para ele. Foi uma saudação absolutamente recíproca e espontânea de ambos, ao mesmo tempo. Neste momento percebi que eu e o Rogério somos iguais. Nós dois nos preocupamos com pequenos gestos. Nós dois nascemos com os mesmos pares de braços, pernas, olhos e tudo mais. Falamos a mesma língua, estamos na mesma cidade, estado, país, continente e planeta.
Entretanto não poderíamos ser mais diferentes. Ao contrário do Rogério, nasci branco e numa família de classe média, que me educou com cuidado e permitiu que eu tivesse acesso a boas escolas e ensino de qualidade por toda a minha vida. Me orgulho de ter conquistado tudo o que tenho na vida com o suor do meu próprio trabalho, porém estou constantemente ciente de que as oportunidades para mim foram maiores, ou menos difíceis de aparecer.
Eu nunca passei fome de verdade. Apenas uma vez recebi dura da polícia e com certeza não foi devido à forma como me visto ou pela cor da minha pele. Já fugi de bala e de bandidos, mas eles não eram meus vizinhos e os tiroteiros não eram na porta da minha casa. Já lutei contra o "sistema" e as injustiças, porém sem jamais estar na ponta mais fraca da corda - aquela mesma que sempre arrebenta, independente dos nossos esforços.
Voltei para casa segurando algumas lágrimas, pensando no Rogério. A percepção de que nós somos essencialmente iguais e também tão diferentes quase me paralisou, como uma verdade incômoda que fica enjaulada por anos, até que quando se solta, rasga o mundo com uma fúria implacável.
Desejo e espero que de hoje em diante o Rogério fique bem, assim como todas as pessoas com as quais ele se importa. Pois podemos ou não ser iguais, mas de certa forma, batendo com nossos punhos no peito e na altura do coração, somos irmãos.
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